por Octávio Lousada Oliveira
Esta quarta-feira a selecção nacional vai ter de regressar à génese do seu futebol, ao arquétipo sobre o qual a sua filosofia se foi sedimentando para poder vencer a Espanha. E não me refiro à postura do Portugal dos pequeninos que amiúde se evoca mas, tão-só, a uma forma de encarar a partida. Perceber que a bola não queima e tratá-la como uma amiga.
É no meio-campo que reside a grande virtude da Roja e é justamente aí que Portugal mais fica a dever à selecção do país vizinho. Vicente del Bosque continua a ser um homem questionável – como qualquer outro -, mas sublinho que fez da fraqueza aparente dos seus comandados (a ausência de David Villa e da capacidade de concretização que acrescenta) uma força, isto é, estendeu o carrossel até à linha de ataque. Iniesta descaiu declaradamente para o flanco esquerdo, colou o Messi dos pobres, David Silva, à direita e improvisou um 9,5 com Cesc Fàbregas. Perdeu profundidade e acutilância em relação ao onze do Mundial 2010, mas ganhou mais (!) capacidade de circulação. Inócua, por vezes – o que também é importante recordar -, mas com uma qualidade e uma precisão impressionantes.
Continua a jogar com um falso duo de médios-defensivos, uma vez que, em teoria, seria Xabi Alonso a juntar-se a Sergio Busquets mas, na prática, é Xavi (o homem que define a métrica da poesia espanhola) a baixar no terreno e a pegar desde cedo no jogo, aproximando-se do companheiro do Barcelona no início da construção.
A partir daí, é vê-los “tocar”, “tocar”, “tocar”, até à exaustão do adversário. À mínima brecha, surge um passe de ruptura e aparece um “qualquer” Silva, Iniesta ou Fàbregas na cara do guarda-redes adversário.
Mas José Mourinho tem razão. Esta é uma das (muitas) formas possíveis de conceber o jogo. Não é a única. Os tudólogos do Google é que não conhecem outras e deixam-se levar pelos modismos da Sport TV ou dos jornais catalães. A viagem de Lisboa ao Porto pode ser feita de diversas maneiras. De automóvel, de comboio e, eventualmente, de avião. Uma mais autónoma, outra mais económica e outra mais rápida. Mas qualquer delas tem alguma beleza subjacente.
Portugal pode, perfeitamente, terminar o encontro de Donetsk com 30% de posse de bola e, mesmo assim, não conceder veleidades à armada espanhola. Difícil mas não impossível.
Determinante será o posicionamento de Nani. Terá de ser ele a juntar-se a Veloso, Moutinho e Meireles quando Portugal precisar de uma segunda linha defensiva a quatro. Mais: terá de ir até ao fim do mundo com Jordi Alba, porque João Pereira já terá trabalho de sobra com Iniesta. Ronaldo, esse, convém que esteja mais livre para as transições rápidas e para “empurrar” os elementos mais recuados da Espanha para a sua área ou, pelo menos, para os amedrontar quando ousarem sair da zona de conforto com a bola nos pés, como faz regularmente Piqué, por exemplo.
Por último, uma palavra para Paulo Bento. Qualquer mensagem motivacional para este desafio será redundante. A vontade de vencer estará certamente em patamares elevadíssimos e uma palavra errada nos minutos que antecedem o jogo poderá ter um efeito desastroso. No entanto, o antigo treinador do Sporting joga nestas meias-finais a afirmação internacional. A jovem raposa pode ser promovida a predador táctico de primeira linha se conseguir cercear a fúria espanhola.
Nesta batalha em que história, orgulho e paixão descerão ao relvado, outro ponto de interesse passará por sabermos se a Bola de Ouro vai regressar à Madeira. Para bem de Cristiano Ronaldo e, acima de tudo, deste Portugal, que de pequenino só tem a síndrome, vamos acreditar que sim.
publicado em desacordo.net
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